domingo, 17 de abril de 2011

De volta para casa

Era uma vez um búlgaro e duas garotas que viajavam pelo mundo. Ele, um homem de olhar triste e pele tatuada. Elas, duas babás brasileiras, de mochila nas costas, que moravam há um ano na Europa. Ele entrou no trem no meio do caminho, mas não foi direto para uma das cabines de cheiro estranho daquela composição. Não havia muitas vazias, mas havia uma em que só duas garotas tentavam dormir. Uma era carioca e a outra gaúcha. Ele olhou lá dentro, mas não quis entrar. Parecia ter medo das pessoas e por alguma razão as pessoas realmente pareciam querer repeli-lo.

Eles estavam em algum lugar da Bulgária. Fazia muito calor e o barulho e a lentidão do trem incomodava demais. O búlgaro olhava pela janela parecendo querer pegar alguma coisa no vento até que se cansou. Virou-se para a cabine onde as garotas já haviam desistido de dormir e tentavam ler seus livros. Ele disse alguma coisa em búlgaro esperou uma resposta e recebeu apenas um sorriso de uma delas. Ela não entendia o que ele dizia e provavelmente ele não entenderia inglês, pensava ela. O homem retribuiu o sorriso e sentou-se perto da janela de frente para a amiga que estava assustada. Ela olhou para a companheira tentando se comunicar com o olhar para dizer que aquele homem parecia estranho demais, mas a carioca não pensava isso. Realmente, estranho ele era, e ela sabia o que todas aquelas tatuagens, que mais pareciam ter sido feitas por uma criança, significavam, mas ainda assim ela não se incomodou.

A carioca fez algum sinal tranqüilizador para a gaúcha que voltou a ler seu livro. O tempo continuava quente e a carioca começou a ficar tensa. Ela saiu para fumar e o búlgaro foi atrás. Pediu um cigarro. Ah, a linguagem universal dos fumantes. Eles ficaram em silêncio olhando a paisagem que passava lentamente seguindo os movimentos enjoativos do trem. Quando voltaram para a cabine o homem finalmente tomou coragem e começou a conversar com elas. Em búlgaro, claro. Elas não entendiam nada, mas ele parecia precisar muito falar e elas escutaram. A carioca tentou conversar com ele misturando todas as línguas que sabia e os mil gestos que conhecia. E não é que a conversa ficou fluiu e ficou agradável! Ele parecia feliz e tirou uma fotografia de dentro do bolso da camisa. Eram três crianças e uma mulher que parecia com ele. Atrás da foto seus nomes e uma dedicatória. Ele apontou para cada uma delas e falou mil coisas. A carioca entendeu só de olhar para os olhos dele que ele não via a mãe das crianças há muito tempo e que ela estava de alguma forma magoada com ele. Mas ele parecia ter esperança de que fizessem as pazes. Ele chorou e envergonhado das lágrimas abaixou a cabeça e a carioca disse que tudo ficaria bem. Ela falou em português, mas ele pareceu compreender. Sorriu para ela e guardou a foto no bolso. Ficaram todos em silêncio até que o trem finalmente parou. Era a estação dele e ele parecia apreensivo. Despediu-se das garotas e seguiu.

A carioca ficou de longe observando aquele desconhecido ir embora e a gaúcha finalmente perguntou sobre ele. A carioca lhe explicou que aquele homem deveria ter acabado de sair da cadeia pelas tatuagens que tinha e pelo olhar de arrependimento e tristeza que trazia. Ela disse também que ele visitaria sua família que não via há tempos. Como ela entendeu aquilo? Bem, das tatuagens, History Chanel – especial sobre as prisões na ex-URSS. Agora, sobre o resto... Ah, a linguagem universal daqueles que estão há muito tempo longe de casa.

2 comentários:

  1. Caramba, Angela! Mt bom esse post, fiquei arrepiada!! Aliás, parabéns pelo blog, já li tds os posts!!! hehehehe..

    Beijos, Safira.

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  2. AHHHHHHHHH!!! Brigada Safiraaaaaaa!!! Adorei que vc tá lendo! Beijooooooo e saudade!

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